11.9.08

Quem eu sou

Tenho 34 anos, e eu nunca soube quem sou.
Desde o começo, o que eu era não bastava. Não servia. Então, comecei pela máscara. Era a máscara que eu carregava que me definia. Era ela que me impedia de sentir quem eu era, e me protegia de mim mesma.
Então veio o primeiro amor; o primeiro possível. Foi a primeira possibilidade de me relacionar com outra pessoa, o que era bom. Mas troquei a máscara por essa outra, e me transformei numa metade da laranja; uma das faces da moeda. Em vez de me tornar mais inteira, a relação me tornou meia.

Pude deixar a casa de origem, o ninho sufocante, a diluição familiar. Mas a relação acabou, e, sendo meia, fiquei só com uma metade.
A segunda relação veio em seguida, tentando emendar o buraco. Me agarrei e me envolvi nela com unhas e dentes. E me afoguei. Sem a família em que me dissolver, tentando me diluir na relação e, com isso, reproduzir a mãe e o pai, veio a depressão. Deprimi, porque precisava me encontrar no fundo do meu próprio poço. Deprimi porque, naquela relação que simulava a família de origem, mas não era de verdade essa família, eu podia ir ao fundo sem morrer. Havia a reprodução do meio familiar, mas não era ele; era uma relação que tinha algo de diferente, que me protegia e me permitiria sobreviver à provação.
Durante anos, então, me bati contra a dissolução. De água virei lama líquida, depois pouco a pouco mais pegajosa, barro mole, e cada vez mais consistente. Durante anos, vazei, derramei, desmontei, desapareci, para ir de novo juntando, remontando, aparecendo repetidamente, gradualmente de maneira nova, de maneira outra, a cada vez ressurgindo da lama e do barro um pouco mais sólida que da vez anterior.
Vazei de tudo: vazei dinheiro, vazei amigos, vazei corpo, vazei amor – que, uma vez vazados, escorriam pelo ralo e se perdiam. Há momentos em que tenho a sensação de que, aos 34 anos, não construí nada na minha vida; não tenho casa, não tenho carro, não tenho dinheiro.
Mas descubro, agora, que tenho amigos. Talvez tenha me concentrado em construir o mais importante, afinal. Construí pouco, quebrei muitos tijolos – tijolos preciosos se perderam -, mas o fato é que o pouco que construí, diante da intempérie, revela-se mais forte e constante do que eu poderia supor.

Tenho 34 anos e não sei quem sou. Estou, mais uma vez, órfã. E, mais uma vez, a solidão vem exigir que eu me defina. Hoje, sou capaz de encarar minha orfandade de frente. Com muita dor, mas sem desaparecer. Sem me diluir nessa dor rascante que me dilacera – dilacera, mas não desmancha. Hoje, sou capaz de suportar, e isso também é fruto de uma construção. É uma conquista.

34 anos. Estou diante de um espelho que me mostra um rosto que mal reconheço como sendo meu. Tudo me é estranho em mim, e o que reconheço é que não sei quem sou. Sou ainda aos pedaços, às partes — embora tampouco seja justo dizer “aos cacos”. Agora é juntar as peças e montar o quebra-cabeça; e decifrar o enigma desse rosto que me olha do espelho, à espera de ser visto.

É a hora da definição: tenho 34 anos e preciso descobrir quem eu sou. Pra saber do que eu preciso. Pra saber o que eu desejo. Pra descobrir o meu lugar no mundo, e ocupar esse lugar. E fazer dele, efetivamente, meu.