30.4.07

estranhamento, entranhamento

Porque tem dias em que você acorda se sentindo esquisita, com aquela ressaca de um sonho qualquer que vem se repetindo todas as noites há uma semana, e não há santo que te ajude a lembrar – e você não agüenta mais imagens soltas, e a ressaca, e a ressaca.
Porque tem dias em que você foi jantar na antevéspera com os pais, e de repente eles chegam pra visitar de surpresa, e dão um monte de presentes bonitos e quentinhos, e você não está acostumada a se sentir quentinha com a sua família, muito menos bonita, e esse aconchego todo é muito estranho.
Porque tem dias em que há uma semana você está se sentindo do avesso, teu organismo está despirocado e nada mais é como era antigamente: você dorme demais, se entope de chocolate, tem uma prisão de ventre interminável (logo você, sempre tão soltinha, tão desapegada) e não consegue entender se está se sentindo como quem vai morrer ou como quem aguarda uma epifania iminente - ou como quem precisa ir ao banheiro com urgência.
Porque tem dias em que, do nada, te saltam imagens e cheiros e sons e texturas do fundo do baú da memória, e você fica o tempo todo sobressaltada, como se te observassem, como se teus sonhos e pesadelos infantis estivessem à espreita e pudessem ser despejados todos em cima de ti a qualquer momento.
Porque tem dias em que você tem a sensação urgente de quem procura; a sensação de quem corre por um parque deserto, com árvores negras desfolhadas, folhas secas pelo chão, vento soprando as folhas, e você sente os espinhos, e o frio, e o céu cinza e gelado, e procura alguém que não sabe quem é (e talvez seja uma guria de capinha vermelha, ou não), mas sabe que é importante e às vezes entrevê logo ali, ali na frente, dobrando a curva, sumindo atrás da árvore, tá quase, tá quase, mas não chega nunca.
Porque tem dias em que você fica cansada de repente.
Porque tem dias em que a temperatura cai, o outono chega, baixa uma gripe e tudo o que você quer é desligar o telefone, tomar chá, se embrulhar no edredom e que o nariz pare de escorrer.

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inspirado pelo cafeína de hoje.

24.4.07

um brinde

(sim, sim, dica da moça - ando frequentando mais.)


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o que me terá dado nos cabelos, não sei. sei apenas que deram pra encrespar, encherem-se de rococós e rosquinhas. talvez seja por eu ter acreditado piamente por toda a vida que eram lisos - tolinha. e agora que os descubro cheios de caracóis (cada qual com sua casinha), é como se desabrochassem em sua plenitude, em todo o vigor da sua verdadeira natureza. como se, enchendo-me a cabeça de caraminholas pelo lado de fora, me esvaziassem um pouco as do lado de dentro.

em verdade, em verdade vos digo que, na média, ter adentrado a casa dos trinta me fez bem. mesmo sendo este um balanço quase tardio, já três anos passados, concluo: sim, fez-me bem, especialmente para a exuberância. deus meu, onde antes eu colocava meu rosto? por onde antes andava a minha cara, tão lavada, tão crua, de bastas e selvagens sobrancelhas caindo-me sobre os olhos e sem nenhuma maquiagem? como antes as marcas de expressão nuas de qualquer corretivo? e, epítome do desmazelo, supra-sumo da falta de autoternura, os cabelos crendo-se lisos, eu crendo-os oleosos, nós crendo-nos todos sermos nós iguais à máscara, e todos acreditando na ilusão assim tão bem forjada. minha máscara de nudez colada à minha cara.

agora uso maquiagem, e nunca antes havia mostrado ao mundo a cara tão limpa, a alma tão lavada. um brinde ao rímel e às saias, evoé!

e começam-me a despontar os primeiros cabelos brancos. não daqueles esporádicos, cabelos brancos acidentais da adolescência e dos vinte anos, pontuando dissabores eventuais ou alguma descompensação hormonal. não, estes de agora são firmes e fortes, brancos pontilhados de brilhos de purpurina. estes são pra valer, são filhos da lua que gesto em meu ventre, filhos das marcas que porto em meu rosto, filhos das raízes que me nascem no colo e hoje despontam no decote dos vestidos, filhos da puta que me habita a alma e venho aprendendo a conhecer, respeitar e amar. meus novos cabelos brancos são o apogeu dos meus novos cachos: minha coroa de fios de prata, marca da minha libertação.

brindemos a isso. saúde!

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desde as 5h40 aqui, vim acompanhando o céu amanhecer; parecia tão cinza uma hora atrás, mas à medida que clareava foi se revelando do mais perfeito azul de abril. a propósito de como as aparências enganam.

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o que uma sessão de dez minutos diante do espelho pela manhã não faz a uma mulher. sobretudo num dia de bom humor capilar.

(e ainda mais depois de uma noite frutífera. ;-)