Perdi minha velha mãe: uma dama de 90 anos, há mais de uma década envolta no véu de uma enfermidade que a despojava de memória, beleza e graça. Contemplar impotente enquanto ela se afastava de mim e da realidade foi a um tempo fascinante, espantoso, e infinitamente triste.
Embora eu tivesse me defendido, nos anos em que ela já não me reconhecia, dizendo que minha mãe tinha morrido e ali havia uma velha dama de quem me coubera cuidar, era tudo mentira. Ergui essa barreira para levar a vida em frente com a ave sombria daquela dor pousada em meu ombro, tão presente quanto ela mesma se ausentava.
"Nunca fui tão filha como na orfandade."
- Lya Luft
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conviver com a minha avó de 90 anos e vê-la ser levada pelo Alzheimer me dá bem uma dimensão de como esta vida é efêmera. por outro lado, vejo o Alzheimer despojá-la, pouco a pouco, não só das lembranças, mas também das máscaras que ela levou uma vida inteira para consolidar e atrás das quais se escondia. vejo-a, agora, tornar-se uma pessoa brincalhona e de uma afetuosidade quase infantil que nunca antes conheci.
ser testemunha desse processo só reforça em mim o sentimento de importância, de urgência mesmo, de vivermos bem a cada momento, e do quanto cada momento é precioso.