28.11.08

Preamar

beira do mar,
manhãzinha
areia clara e longa,
espelho d’água
marola breve,
espuma branda
sal na pele,
gaivotas
deixando seu rastro na areia,
e eu –

(...aaaaah)
aragem melada de maresia

flocos de nuvens amontoados ao vento

unicórnios azuis galopando no horizonte
e o céu...

= = =

Foto: encontrei aqui
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(bom fim de semana...)

27.11.08

Desço determinada a larga escadaria, despedindo-me de seus mármores imaculados

Desço determinada a larga escadaria, despedindo-me de seus mármores imaculados. Descortino o vale abaixo a perder de vista, o caminho sinuoso desaparecendo no horizonte sob a aurora iminente.

A cauda do vestido esparrama nos degraus, cascata interminável de rendas e organdi. (O peso das jóias me enerva.) Ao longe, um casal de pássaros inicia seu canto matinal.

Desfaço-me das jóias, do organdi, das rendas, e – mantendo para uma eventual necessidade apenas três pérolas na mão esquerda – piso a terra do chão, descalça e nua. A jornada será longa.

Afasto-me de meu castelo nas nuvens e parto sem olhar para trás.

26.11.08

Sim, o corpo



Primavera
Sim, o corpo
desperta
espreguiça
e se espalha
se desdobra
e se esquenta
e se acalora
ribeirão de águas claras
murmulhando entre os seixos
e as curvas,
e os meandros
lá no fundo do quintal

o corpo sonha
sonhos de barro úmido, e molda
formas safadas no ventre
melando-me de argila líquida nos cantos – o calor
me apalpa e me morde
nos mais remotos recônditos
murmurando obscenidades
(...revoada de borboletas na cabeça)
o coração correndo às cabriolas
dispara aos pinotes sob o sol

depois de um longo inverno truncado
assistindo à vida da janela
meu corpo
lateja
os ossos, a carne, a pele, o frêmito
a vida
que urge
e dança
em mim.

= = =

24.11.08

o meteoro


Após a hecatombe
e a subsequente extinção de 90% das espécies vivas da Terra
(incluindo a quase totalidade dos dinossauros)
vislumbro, através da poeira que assenta,
a cratera recentemente aberta
no peito.

Munida de regador, minhas ferramentas de jardinagem
e um saquinho de sementes,
devidamente protegida do sol por um chapéu de abas largas
e calçada com grossas luvas,
ponho as mãos à obra:
bem aproveitado, o vasto campo dará um belo gramado
polvilhado de dentes-de-leão
e colorido de marias-sem-vergonha.

Foto: Bucknell University

= = =

Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

- Drummond