O arroxeado do céu prenuncia o nascer do dia. De calças arregaçadas na metade da canela, o lago gelado fazendo doer-lhe até a medula dos ossos, você joga a sua rede; e espera.
Uma camada de neblina branca flutua sobre as águas a perder de vista. A paisagem estática e fria como um espelho. Nenhum junco se mexe na margem, nenhuma lavadeira ou salamandra, girinos, nada. Só a luz violácea, e a estrela-d’alva.
Você espera — que hoje venha mais que rãs e lambaris.
O frio perfura como alfinetes de prata seus ossinhos dos pés, e você pode contá-los um por um. E espera.
O horizonte anuncia uma fina lâmina de luz dourada. A estrela-d’alva bruxuleia.
Ainda não.
Ninhos entre os juncos, ovos malhados, aves aquáticas adormecidas. Você não os vê, mas estão lá.
Então, uma gota de orvalho que se acumulou a noite inteira cede ao próprio peso e escorre de uma folha de avenca.
Um pernilongo pousa com suas asas transparentes e forma círculos concêntricos imperceptíveis na superfície cristalina.
Uma brisa tão leve que move apenas três fios do seu cabelo — e você começa a puxar a rede com movimentos vagarosos e olhar atento...
...não.
Não, a única novidade hoje é uma tartaruguinha verde.
Talvez amanhã.
29.1.09
17.1.09
Há um tempo
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
- Fernando Pessoa
- Fernando Pessoa
6.1.09
Por um sono
O pássaro pousa no sonho
um cantar de prata,
e a densa plumagem que o abriga
é de um verde inacabado,
de um amarelo rubro,
de presumida ferida.
O homem que sonha o pássaro,
aos olhos do pássaro,
é um gigante e,
por um instante,
parece tocá-lo com um grito.
O pássaro sonhado carrega
nas asas muitas pedras,
perseguições
e desencantos,
por estar preso ao sonho,
a um visgo tão ilusório quanto a sua existência.
O homem ainda é um menino
e acostumou-se a sonhar pássaros
para aprisioná-los nos seus poemas.
- Chico Perna
um cantar de prata,
e a densa plumagem que o abriga
é de um verde inacabado,
de um amarelo rubro,
de presumida ferida.
O homem que sonha o pássaro,
aos olhos do pássaro,
é um gigante e,
por um instante,
parece tocá-lo com um grito.
O pássaro sonhado carrega
nas asas muitas pedras,
perseguições
e desencantos,
por estar preso ao sonho,
a um visgo tão ilusório quanto a sua existência.
O homem ainda é um menino
e acostumou-se a sonhar pássaros
para aprisioná-los nos seus poemas.
- Chico Perna
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