Vive dentro de mim uma cabocla velha de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho, olhando pro fogo.
benze quebranto, bota feitiço, ogum orixá,
macumba, terreiro, ogã, pai-de-santo.
Vive dentro de mim a lavadeira do rio vermelho,
seu cheiro gostoso d'água e sabão
rodilha de pano, trouxa de roupa, pedra de anil
sua coroa verde de são-caetano.
Vive dentro de mim a mulhar cozinheira, pimenta e cebola
quitute bem feito, panela de barro, taipa de lenha
cozinha antiga, toda pretinha, bem cacheada de picumã
pedra pontuda, cumbuco de coco, pisando alho-sal.
Vive dentro de mim, a mulher do povo
bem proletária, bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos, de casca-grossa,
de chinelinha e filharada.
Vive dentro de mim a mulher roceira - enxerto da terra,
meio casmurra, trabalhadeira,
madrugadeira, analfabeta, de pé no chão
bem parideira, bem criadeira
seus doze filhos, seus vinte netos.
Vive dentro de mim a mulher da vida
minha irmãzinha, tão desprezada, tão murmurada
fingindo alegre seu triste fardo.
Todas as vidas dentro de mim:
na minha vida - a vida mera das obscuras.
- Cora Coralina
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um achado daqui.
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