8.8.08

Houve o tempo em que o mundo era perfeito

“Houve o tempo em que o mundo era perfeito; um vale verdejante atapetado de flores, recortado em arabescos caprichosos por um ribeirão de águas claras; passarinhos e borboletas em profusão; coelhinhos e esquilos saltitantes; e pôneis de todas as cores. O céu imenso e azul; e as nuvens eram flocos brancos de algodão que vez por outra até choviam, mas a chuva era mais um folguedo de verão. E havia o arco-íris.

“Corria ao sol, descalça na grama, um vestidinho curto estampado, e dançava e brincava com uma mulher vasta e bela a quem chamava ‘mãe’. Seu riso desenhava covinhas nas bochechas e fazia-lhe cócegas na barriga; o colo era um ninho macio onde adormecia acalentada e plena, entre bocejos de satisfação.

“Até que, num canto remoto do vale, desabrochou uma estranha orquídea. Atraída primeiro por seu aroma, intrigou-a a flor de tão exótico aspecto; aproximando-se, percebeu entre suas pétalas um brilho sutil, e tocou-as – e a orquídea derramou entre seus dedos uma pequenina chave dourada.

“Correu a compartilhar com a mãe a descoberta. Para sua surpresa, porém, notou que, pela primeira vez, ela não parecia feliz.”

Na manhã seguinte, acordei com frio – e sentia frio pela primeira vez, trazido pelo vento cortante e pelo céu, carregado e baixo. Da noite para o dia, a vegetação estava ressequida e murcha, as folhas secas descreviam rodamoinhos no ar, o chão era só poeira e pedregulhos. Havia lajes e lápides de cimento espalhadas (eu que não conhecia o cimento até então, e como me amedrontou a aspereza!), e tufos de espinhos pontilhados – como gotas – de minúsculas flores vermelhas, e estátuas de pôneis, passarinhos, esquilos e coelhos por toda parte; e não compreendi que eram os habitantes do vale, petrificados.

As cores estavam agora esmaecidas pela luz difusa e cinzenta.

Percorri o jardim de fósseis até avistar, sobre uma mesa de concreto, dentro de um esquife de cristal, minha mãe adormecida, um ramalhete desbotado entre os dedos.

Ia chamá-la quando um cavaleiro de armadura refulgente despontou numa curva logo adiante, e veio em minha direção. Tomou-me gentilmente em seus braços, fez um gesto mágico com uma das mãos, e – plim, um imperceptível brilho de purpurina no ar e uma das touceiras engelhadas tornou-se, num piscar de olhos, um trono encantado, de ouro e pérolas luzidias, onde o cavaleiro me acomodou.

Exausta, depositei em sua palma estendida a chave que guardava ainda em minha mão direita. Senti meus olhos pesarem irresistivelmente enquanto uma bruma esbranquiçada descia sobre nós. Ainda julguei distinguir em meio à neblina, antes de mergulhar num sono sem sonhos, o cavaleiro cobrir com um corte de veludo negro o ataúde.

Tomara que me levasse logo dali.

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