Minha madrasta me escondia entre os dentes, embrulhada como um casulo em sua língua comprida, pegajosa e fina. Entretinha-se usando-a para fazer-me de pião; mas servia-lhe também de coleira e chibata, com a qual me submetia a uma pesada rotina de trabalhos forçados.
Já jovenzinha, aproveitei-me um dia de seu sono profundo e, de um só golpe, desvencilhei-me da língua, preguei-a no umbral da janela e, atirando-a para fora como um rolo de corda, desci por ela a parede da alta torre em que vivíamos.
Quando saltei ao chão, ainda ouvindo as súplicas e imprecações da megera, disparei a correr a toda a velocidade que me permitiam minhas perninhas atrofiadas. Na fuga, um circo mambembe me recolheu. Aqui encontrei casa e comida, aqui fiz meus primeiros amigos; levo uma vida nômade que muito me agrada, e sou paga pelo meu trabalho: entro todas as noites no picadeiro e exibo, no espetáculo de aberrações, minha espantosa habilidade para emitir silvos agudos, quase ultra-sônicos.
Embora até hoje os uivos de minha madrasta ecoem nos meus ouvidos e me despertem toda noite, evidenciados pelo silêncio das madrugadas.
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