Porque tem dias em que você foi jantar na antevéspera com os pais, e de repente eles chegam pra visitar de surpresa, e dão um monte de presentes bonitos e quentinhos, e você não está acostumada a se sentir quentinha com a sua família, muito menos bonita, e esse aconchego todo é muito estranho.
Porque tem dias em que há uma semana você está se sentindo do avesso, teu organismo está despirocado e nada mais é como era antigamente: você dorme demais, se entope de chocolate, tem uma prisão de ventre interminável (logo você, sempre tão soltinha, tão desapegada) e não consegue entender se está se sentindo como quem vai morrer ou como quem aguarda uma epifania iminente - ou como quem precisa ir ao banheiro com urgência.
Porque tem dias em que, do nada, te saltam imagens e cheiros e sons e texturas do fundo do baú da memória, e você fica o tempo todo sobressaltada, como se te observassem, como se teus sonhos e pesadelos infantis estivessem à espreita e pudessem ser despejados todos em cima de ti a qualquer momento.
Porque tem dias em que você tem a sensação urgente de quem procura; a sensação de quem corre por um parque deserto, com árvores negras desfolhadas, folhas secas pelo chão, vento soprando as folhas, e você sente os espinhos, e o frio, e o céu cinza e gelado, e procura alguém que não sabe quem é (e talvez seja uma guria de capinha vermelha, ou não), mas sabe que é importante e às vezes entrevê logo ali, ali na frente, dobrando a curva, sumindo atrás da árvore, tá quase, tá quase, mas não chega nunca.
Porque tem dias em que você fica cansada de repente.
Porque tem dias em que a temperatura cai, o outono chega, baixa uma gripe e tudo o que você quer é desligar o telefone, tomar chá, se embrulhar no edredom e que o nariz pare de escorrer.
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inspirado pelo cafeína de hoje.