29.8.06

feminina


(infância)

(Acho que não sou muito mulher, não.
Às vezes, acho que não sou nada,
porque não sou a mesma coisa sempre.)

Sou uma mulher muito esquisita.
Mamãe sempre me disse que ser menina é diferente,
não brinca de coisa de menino.
Mas as brincadeiras do meu pai eram muito mais legais
do que fazer pose de bailarina o tempo todo
como a minha mãe queria.
Acabei achando mulher um troço muito chato:
não tenho vocação pra bonequinha de louça,
nem nunca gostei de cor-de-rosa.
Resolvi ser outra coisa
e deixar esse negócio de ser mulher pra lá,
que é muito enjoado.

(Meus peitos caíram muito cedo.
Acho até que quiseram se esconder dentro das calças, coitados,
e virar bagos
– afinal, ser menino é muito melhor;
menino não tem que ser mulher.)

Hoje sinto esta nostalgia. Sinto uma falta –

Fiquei muito séria, minha postura é encolhida,
como se tivesse alguma coisa a ver
com a minha menina perdida.
Queria saber onde ela está, brincar com ela...

(De vez em quando avisto uma ponta de vestido,
sinto um cheiro, ouço um risinho
e desconfio que ela está por perto.
Só não sei onde procurar – onde será?)

Eu quero ser mulher
mas não sei.

(Rio, 21-09-02)

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