12.12.08

na penumbra, o apartamento vazio cochilava

Na penumbra, o apartamento vazio cochilava. Sonolentas, as persianas empoeiradas e tortas filtravam a luz e abafavam o ruído constante da avenida. Os cômodos de pé direito alto, úmidos e frescos, recendiam a mofo e cabeceavam. Assim também o piso de pastilhas hexagonais supostamente brancas, encardidas pelo uso; os azulejos decorados com motivos fora de moda; as torneiras e ralos oxidados – uma delas (a da cozinha, talvez) ressonava, incapaz de conter um finíssimo fio d’água que deixava um rastro de ferrugem na louça rachada. No quarto, o armário corpulento de portas entreabertas, meia dúzia de frágeis cabides de arame na boca. O espelho do armarinho sobre a pia do banheiro, exausto e baço pelo tempo. Os tacos soltos no chão – desmaiados. A sonolência impregnava as paredes e se acumulava preguiçosamente junto aos rodapés. A casa toda dormitava pelos cantos.

Até que, num fim de tarde chuvoso, o apartamento adormecido abriu os olhos de repente; a respiração suspensa por uma fração de segundo, na iminência de – o som da chave na fechadura como que rasgando cortinas – e a porta abriu-se com um rangido lento.

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