mesmo acordada, ainda dava pra sentir a sua dor; de onde eu estava, ainda ouvia o seu lamento.
aí, lembrei das muitas tempestades da minha infância, do vento assoviando nas frestas das janelas daquele mesmo jeito, do barulho de portas batendo com força ao longe; e pensei neste inverno que não acaba nunca...
levantei, lavei o rosto, prendi o cabelo, calcei minhas meias para proteger os pés da friagem dos azulejos e fui para a cozinha fazer café.
desde então, meu coração parece que está lá fora em algum lugar, na chuva. não sei se está sozinho, com medo e com frio - mas o fato é que saiu, e não voltou até agora.
= = =
("Tinha medo de enlouquecer, ao passo que dois milênios antes os homens ter-se-iam alegrado imensamente com semelhantes sonhos, na certeza de que representavam o prenúncio de um renascer do espírito e de uma vida renovada. Mas nossa mentalidade moderna olha com desdém as trevas da superstição e a credulidade medieval ou primitiva, esquecendo-se por completo de que carregamos em nós todo o passado, escondido nos desvãos dos arranha-céus da nossa consciência racional. Sem esses estratos inferiores, nosso espírito estaria suspenso no ar."
- C. G. Jung, in "Psicologia e Religião")
= = =
Resistência
Então o que me resta agora
é juntar os cacos do meu coração suicida
que me pula do peito afora
corre contra a primeira parede e se espatifa
só pelo prazer de levantar
sacudir a poeira
e dar a volta por cima.
(1996)
= = =
ilustração: p. cézanne, "le grand pin"
Nenhum comentário:
Postar um comentário