Meu pai era um sólido bloco de ferro negro. Eu adorava sua potência, sua virilidade, sua autoconfiança briosa, seu porte altaneiro. Vivia na sua órbita; era para junto dele que eu corria ao menor sinal de perigo ou ameaça, e à sua sombra eu me sentia protegida e não havia nada que eu temesse. Até que um dia soprou uma rajada mais forte e vi meu pai trepidar, ranger e estatelar-se com estrondo no chão.
Ficou estirado, imóvel, a cara enfiada no pó.
Ficou estirado, imóvel, a cara enfiada no pó.
Só aí parei para olhar bem e notei que ele não passava de uma estátua desprovida de espírito e carcomida pelos elementos. O que até então eu julgava ser sua voz retumbante não passava do vento soprando pelos buracos de ferrugem que eu acreditava serem sua boca, nariz e olhos — quando na verdade ele nada via. Permaneci muito tempo estática diante do ídolo oco que fora o centro da minha vida até ali. Não saberia dizer quando comecei a me afastar em passos lentos; perdi-o de vista; a esta altura, mesmo que quisesse voltar atrás, não saberia mais encontrar o caminho. (Deve estar lá até hoje. Arrastar tamanho peso seria tarefa árdua, e para quê? Inutilidade.)
A verdade é que esqueci-me dele por completo e hoje acredito piamente ter vindo ao mundo por obra e graça de alguma concepção imaculada. Entretanto, sua imagem retinta está gravada no meu espírito, e a prova é que nunca mais consegui deixar de enxergar força onde só existe dureza.
Um comentário:
é, amiga...a gente cresce, os outros enfraquecem...
bjos,
rô
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