ao que consta, a moça aprendeu a lição.
14.8.09
aprendizagem
ao que consta, a moça aprendeu a lição.
16.3.09
13.3.09
Largada no colchão, sonhando com tubarões e crocodilos, ela dorme a sono solto
O colchão-jangada desce a correnteza levando-a inconsciente, quase encalha na porta da cozinha, mas passa com um solavanco; até que, na pequena área de serviço, desaparece com o aguaceiro pelo ralo sem tampa perto da porta.
10.3.09
Enquanto isso, dia após dia eu me enfiava entre as raízes da velha árvore
1.3.09
cântico negro
"Vem por aqui" – dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há nos meus olhos ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
– Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.
Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Porque me repetis: "Vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?
Corre nas vossas veias sangue velho dos avós.
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
– Sei que não vou por aí!
- José Régio
26.2.09
a desfazer-se (vera mantero)
nós precisamos muito disto, precisamos muito disto tudo, e estamos a ter muito pouco disto e é por isso que, como disse no início, o espírito está em erosão, a cultura está em erosão e nós às vezes estamos muito tristes ou temos a sensação que a vida desapareceu cá dentro.
- Trecho do "poema em prosa" "A desfazer-se", da bailarina portuguesa Vera Mantero, que me foi presenteado por uma moça brilhante...
(Respeitada a grafia e pontuação originais.)
23.2.09
traduzir-se
outra parte é ninguém.
Fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão,
outra parte, estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera,
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta.
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente,
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem,
outra parte é linguagem.
Traduzir uma parte noutra parte,
que é uma questão de vida ou morte,
será arte?
- Ferreira Gullar
= = =
Sabe? Acho que ganhei dois amigos novos hoje. :-)
5.2.09
paulo galvão
Com o que, aliás, muito me identifico, posto ser meu mundo interno povoado por uma multitude de máquinas-bichos e animáquinas que tais.
sa ga lu sa
- Adriana Calcanhotto em "Saga Lusa"
4.2.09
cheguei à velha estação ao anoitecer
3.2.09
no fundo do quintal passava um rio largo
2.2.09
29.1.09
O arroxeado do céu prenuncia o nascer do dia
Uma camada de neblina branca flutua sobre as águas a perder de vista. A paisagem estática e fria como um espelho. Nenhum junco se mexe na margem, nenhuma lavadeira ou salamandra, girinos, nada. Só a luz violácea, e a estrela-d’alva.
Você espera — que hoje venha mais que rãs e lambaris.
O frio perfura como alfinetes de prata seus ossinhos dos pés, e você pode contá-los um por um. E espera.
O horizonte anuncia uma fina lâmina de luz dourada. A estrela-d’alva bruxuleia.
Ainda não.
Ninhos entre os juncos, ovos malhados, aves aquáticas adormecidas. Você não os vê, mas estão lá.
Então, uma gota de orvalho que se acumulou a noite inteira cede ao próprio peso e escorre de uma folha de avenca.
Um pernilongo pousa com suas asas transparentes e forma círculos concêntricos imperceptíveis na superfície cristalina.
Uma brisa tão leve que move apenas três fios do seu cabelo — e você começa a puxar a rede com movimentos vagarosos e olhar atento...
...não.
Não, a única novidade hoje é uma tartaruguinha verde.
Talvez amanhã.
17.1.09
Há um tempo
- Fernando Pessoa
6.1.09
Por um sono
um cantar de prata,
e a densa plumagem que o abriga
é de um verde inacabado,
de um amarelo rubro,
de presumida ferida.
O homem que sonha o pássaro,
aos olhos do pássaro,
é um gigante e,
por um instante,
parece tocá-lo com um grito.
O pássaro sonhado carrega
nas asas muitas pedras,
perseguições
e desencantos,
por estar preso ao sonho,
a um visgo tão ilusório quanto a sua existência.
O homem ainda é um menino
e acostumou-se a sonhar pássaros
para aprisioná-los nos seus poemas.
- Chico Perna