o ser humano precisa de não estar sempre no quotidiano, precisa de sair do quotidiano e entrar noutros níveis, noutra sensação do mundo. precisa de fazer coisas não produtivas, sair da lógica da produção, ter objectivos diferentes desses, precisa voltar a saber que não há só um caminho entorpecedor e mecânico, que a vida é mais sutil que isso, mais rica de redes e nós de sentidos e sensações, de linhas que se cruzam e que baralham e iluminam. é preciso reconhecer essas coisas, assiná-las, sublinhá-las, não só através do discurso mas também com o corpo, em acções, associando virando de vez em quando as coisas ao contrário, desorganizando e reorganizando. é preciso olear o espírito, olear o ser. é preciso também pensar com o corpo, deixar o corpo falar, pobre corpo. é preciso sair de dentro do porta-moedas e entrar na associação, no delírio, na sujidade (é muito importante não ter medo da sujidade), na acoplagem, acoplagem de elementos ao nosso corpo, acoplagem de sentidos ao nosso corpo, ou acoplagem de objetos e sentidos entre si, é preciso entrar na transformação, não esquecer que há uma coisa que se chama êxtase, é preciso entrar no êxtase, na contemplação, na calma, nos sentidos do corpo, no corpo, na poesia, em visões, no espanto, no assombro, no gozo, no inconsciente, na perda, no esvaziamento, no desprendimento, na queda, é preciso tirar os sapatos, é preciso deitarmo-nos no chão, é preciso entrarmos na imaginação, nas histórias, no pensamento, nas palavras, no humor, no pensamento, nas palavras, no humor, no pensamento, na relação com os outros.
nós precisamos muito disto, precisamos muito disto tudo, e estamos a ter muito pouco disto e é por isso que, como disse no início, o espírito está em erosão, a cultura está em erosão e nós às vezes estamos muito tristes ou temos a sensação que a vida desapareceu cá dentro.
- Trecho do "poema em prosa" "A desfazer-se", da bailarina portuguesa Vera Mantero, que me foi presenteado por uma moça brilhante...
(Respeitada a grafia e pontuação originais.)
Um comentário:
Belíssima a frase de Manoel de Barros que você colocou no seu perfil! Belíssima!
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